segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Os dois lados

Brasileiro, Laiane, eu, Cotta (acima) e Aziz em um dos planos que
mais me agrada, e que deve ir até o corte final. Foto: Ana Lee

"O primeiro corte de Lara tem muito de ruim que um primeiro corte pode ter. A abertura ainda tateia seu caminho, a música busca seu melhor encaixe, a ordem das sequências não é a ideal, o ritmo apressado às vezes foge da proposta. Hoje, parece um piloto arrojado em primeiro contato com carro veloz e uma pista sinuosa, com algumas retas, muitas curvas e raros pontos de ultrapassagem. Ele não conhece tão bem os momentos exatos em que deve reduzir, e não sabe até quando deve acelerar. Mas os erros de início fazem parte. Vamos seguir trabalhando para melhorá-lo."

"O primeiro corte de Lara tem tudo que existe de positivo em dar liberdade para o montador e em ter o diretor fora da ilha de edição. A influência televisiva de Pazos trouxe não só rapidez para o processo, como opções que eu seria incapaz de pensar numa primeira versão, e talvez até na última. Mesmo escolhas que com certeza não vou usar, aliadas à sinceridade sem rodeios de Pazos, me fizeram refletir sobre o filme como um todo. Esse primeiro corte é embrionário como qualquer outro, com a diferença que ele serviu, como poucos, para expandir as opções e o potencial do filme. Vamos seguir trabalhando para melhorá-lo."

São duas maneiras de se observar o primeiro corte de Lara, mas é com a segunda que vamos dar continuidade ao processo. Feliz natal a todos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O tamanho de Lara

Ontem fui somar o tempo de cada sequência, de acordo com os 67 planos ordenados, sequência a sequência. O filme está um pouco mais longo do que visualizava, com 12min40s, sem créditos, o que deve ir pra algo entre 14min20s e 14min40s com eles. Mas isso só em teoria.

Essas são anotações do filme montado em papéis, entre rabiscos e impressos. São a base para Pazos, mas ele está com outras observações, sozinho na ilha de edição, onde ainda não fui, como combinado. Existe um contato, um diálogo para tirar uma dúvida ou outra, mas tem sido pequeno. Acho melhor poupar o debate para quando nos aproximarmos do corte final, o que imagino para daqui a, pelo menos, um mês.

Em compensação, devemos ter um esboço de Lara até a sexta-feira (21), quando ele entra de férias e quando começo a me programar para ir diariamente à Uesc, a partir de 2 de janeiro.

Com que tamanho o filme vai estar? Com quanto a ser mudado? Com quanto de surpresas? Depois de amanhã devemos ter uma reposta mais precisa.

Aziz focaliza Rafa Lopes no bar, uma das cenas ainda não finalizadas.
Foto: Ana Lee

Ps - Música latina
Para quem se interessa por música latina e suas variações, CH Straatmann, baixista do Retrofoguetes com quem fizemos o contato para ter acesso à trilha sonora de Lara, disponibilizou recentemente seu single Efecto Vertigo. Com o mesmo nome do disco que será lançado em março, a música está disponível para download no http://www.chstraatmann.com. Vale uma escutada.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

"Ninguém nunca me pediu pra ser carinhoso"

E a montagem do filme começou hoje.

Depois de ver o bruto duas vezes, revi mais outra no final de semana, agora com anotações a respeito de cada plano. Além desse material de cinco páginas, enviei para Roberto Pazos observações sobre as 11 sequências, e terminei com 68 Pt. Screen, por ordem, de como visualizo o filme decupado e montado. Do S1P1 (Sequência 1, Plano 1) até o S11P2, o último antes dos créditos finais.

Isso poderia soar excessivamente limitador para alguns montadores, mas deixamos claro que as referências são apenas guias, e que será maravilhoso Pazos tentar outros caminhos, que podem acrescentar ao universo do filme, o que considero possível também porque as anotações dele foram feitas sem conhecer as minhas.

Isso sem falar da agilidade, já que seria incapaz de fazer um primeiro corte em menos de três semanas, enquanto Roberto ficou de me presentear com um corte já na sexta-feira. Mas, antes de criar expectativas que não poderão ser cumpridas, adianto que acho improvável o filme ter um corte final antes do final de janeiro. E depois disso ainda temos a finalização de áudio, vídeo, autoração de DVDs... Sem pressa.

Design
Na sexta-feira, antes de tomar notas, revi material com Saul Mendez (Design Gráfico). Em um dos momentos mais divertidos do filme até agora, mostrava a ele um plano que sempre vi como tragicômico e amoroso. Mas, em um take que com certeza não usaremos, além de tragicômigo e amoroso, nosso protagonista usou uma fala que fez Saul citar Bela Lugosi, um dos maiores ícones dos filmes de terror. Com direito a imitação. Há tempos não ria tanto.

Mais tarde, no final de revisão, ele veio com uma ideia do filme que fiz questão de dizer que ela era apenas pano de fundo. Quando voltamos às artes que Saul fez, tentei resumir a ideia.

- A simplicidade é por aí, mas o filme é carinhoso, Mendez.
- Ninguém nunca me pediu para ser carinhoso. Pelo menos não uma arte carinhosa.
- Se desafie, vá.

Horas mais tarde, em meio a uma cerveja, mandei mensagem com outra referência, que nos agrada um bocado. “Bem lembrado. Ele consegue ser carinhoso também”.

Hoje, tenho a impressão que Saul, Roberto e essa última referência são parecidos, pelo menos até certo ponto. Indelicadezas e reacionarismos à parte, os três têm algumas das melhores características do cara old school, e são melhores que suas aparências ou famas carrancudas. Só que nem todo mundo percebe.

Roberto Pazos, old school com fama de mau, mas do bem. Foto: Ana Lee

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Os planos que o diretor não faz

Como acontece com qualquer coisa que envolva chuva, pontualidade, muitas pessoas e Brasil, é natural acontecer mudança de planos durante a gravação, como narro no texto do videogame. Mas existem outros planos que surgem durante a gravação, que melhoram o filme, e que não têm mérito nenhum do diretor. A preferência por um roteiro técnico bem detalhado (com descrição de planos, enquadramentos, movimentos de câmera e duração dos planos) pode engessar, mas me deixa mais seguro, e não impede a mudança de ideias, o que aconteceu várias vezes durante o processo.

Na primeira cena que gravamos, por exemplo, pretendia enquadrar rosto de atriz emoldurado pelos pés, mas os pés pareciam as orelhas de um coelho. Até que ouvi a sugestão de Laiane (Ass. de Direção e Continuísta). “Que tal se a gente fizer um plano com a câmera um pouco mais para cá? Pode ficar mais sensual”. Ficou mais sensual e mais bonito.

Na mesma cena, depois de gravarmos todos os planos, falei com Aziz (Dir. de Fotografia). “Faça o plano que você quiser, Victão”. Ele fez um movimento de câmera que, embora não garanta usar, culmina com uma imagem belíssima, provável no corte final. Quando fomos para a praia, o que por si só já era uma mudança de planos, o fato se repetiu duas vezes.

Primeiro com Arthur Freitas, que sugeriu um plano que mantém espírito do filme e nos dá outra opção, e depois com o próprio Aziz, quando repeti a fala anterior e ele veio com um plano que desde o início eu não queria fazer, mas que de um ângulo diferente pode funcionar. Como também deve funcionar o último plano que fizemos.

Feita já perto da meia-noite do domingo, a imagem envolvia sangue e trazia com ela dois problemas. O primeiro é que sangue cenográfico mancha, o segundo é que não queríamos machucar ninguém. Só que o plano era necessário. A solução veio com ideia de Roberto Pazos, que teoricamente nem precisava estar mais no set, pois já tinha cumprido o papel de garçom na sequência do bar. E resolveu o problema.

Por ordem, Cotta, Cristiane, Caio, Laiane e Aziz. Foto: Ana Lee

Montagem
Falando nele, oficializamos hoje processo de montagem, de uma maneira que jamais imaginei fazer, mas que deve funcionar.

Mando todas as orientações, mas deixo-o livre para fazer como preferir, durante uma semana. Então ele entra de férias, e vejo o material com outro montador (a confirmar na segunda), com quem darei prosseguimento à montagem. Se o que Roberto montar convencer, independente de ser como planejei ou não, ótimo. Se não, ele entende as mudanças.

Dentro de uma já rígida ideia de montagem, essa distância e essa liberdade devem fazer bem ao filme.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Videogame nas gravações

Equipe desfalcada no Outeiro, em Ilhéus. Foto: Ana Lee
Menos de 24 horas antes de gravarmos Lara, fechamos uma parceria com a NuProArt, de Victor Aziz e Cristiane Santana, já devidamente creditados. Mas o processo envolveu tanta coisa que preferi fazer uma cronologia, que começa na quarta (05.12) e vai até o domingo (10.12), quando demos o último "corta".

Quarta-feira – 05.12
À tarde tento organizar detalhes de cronograma e roteiro técnico, horas antes de ter uma baixa. Eline Luz, presente desde segundo teste de câmera e que assumiu a direção de fotografia do ensaio, diz não ter condições físicas e mentais de participar do filme. Justificativa é válida, falo com Flávio Rebouças sobre quem poderia substituí-la, uma opção é descartada, a outra pede tempo para pensar.

Quinta-feira – 06.12
Termino de editar um vídeo que um dos personagens vê dentro de Lara e, próximo do meio-dia, volto a conversar com Flávio, que fala sobre possíveis problemas que teremos com a luz em Ilhéus. À tarde envio roteiro técnico e cronograma de filmagens definitivo. À noite, na maratona de rever filmes bacanas, sinto vontade de mudar um dos planos da cena de abertura, mas tinha prometido que aquele roteiro seria o definitivo. Continuamos sem assistente de fotografia.

Sexta-feira – 07.12
“Olha o e-mail, bro” é o bom dia do celular, às 7h, com uma mensagem de Flávio. Há algumas semanas ele sofreu uma pequena lesão no joelho que tinha feito a gente desistir de usar a steadicam (aparelho que faz a câmera não tremer enquanto caminhamos com ela). Mas o e-mail agora diz que, graças a um pisão em falso, ele não tem mais condições de estar no filme. Isso na véspera das filmagens. Sem assistente, sem diretor de fotografia e sem cinegrafista, ligo para Roberto Pazos. “Preciso trocar uma ideia pessoalmente contigo. Urgente. Pode ser?”

Pego emprestado carro de irmão e chego na Uesc, onde explico situação e faço convite a Pazos, que aceitaria de bom grado, desde que não fizesse um show justamente no sábado à noite. Pensamos em Victor Aziz e, dada a urgência, proposta indecente é feita por telefone mesmo. Ele aceita. Referências, planos e ideias, normalmente debatidos por semanas ou meses, são discutidos em uma tarde. À noite, uma cerveja.

Sábado – 08.12
Chegamos no Cine Santa Clara e começamos a fazer a luz. Quando ligamos o que é necessário, o disjuntor não suporta. Tentamos duas, três, não sei quantas opções, já que nessa hora deixo tudo para Aziz, enquanto converso com Cotta e elenco. Começamos meia-hora depois do esperado, mas filmamos o programado com atraso de poucos minutos.

Cena da tarde (foto) agrada bastante e é finalizada com quase meia-hora de antecedência, depois vamos jantar, um jantar que não me desce bem. Luz demora, calor consome, azia destrói, planos são cortados por tempo, mas sobrevivemos.

Domingo – 09.12
Como combinado, chegamos antes das 10h ao Cine Santa Clara, onde gravaremos o restante das cenas no cinema, mas dá 11h e cinema permanece fechado. Não conseguimos falar com Vital Gomes (o projecionista), com quem estávamos no dia anterior e com quem tínhamos marcado de novo. Então desistimos, pelo menos por enquanto, e vamos para a praia, onde o sol está absurdo e onde o som não ajuda, mas me parece o melhor improviso. Equipe concorda. Sem rever imagens, impressão é ter ficado melhor do que o pensamento inicial.

No entanto, ainda temos um plano que é difícil de ser feito fora de ideia original. Visitamos algumas casas que talvez se encaixem nela, mas não encontramos e voltamos ao cinema, onde conversamos com Vital Gomes sobre o que aconteceu pela manhã, ele justifica sua ausência, e sugerimos gravar no fim da noite, o que ele topa. Partimos para o Spetus, filmamos a sequência do bar, e voltamos ao Cine Santa Clara, onde a última sessão acaba às 22h45min, quando ainda temos que, para ser bem polido, debater com gerente a mudança de planos e o porquê de filmarmos aquela hora. Ele libera e gravamos o plano que falta, finalizado às 23h30min.

Momento nerd
Não dá para dizer que todo mundo pulou de felicidade no fim das gravações, até porque nem havia energia pra isso. Verdade também que pouca coisa é tão decepcionante quanto ver uma imagem que na câmera era linda e depois mostra seus defeitos quando projetada numa tela maior. Mas quase nada supera a alegria interna de ver, no visor da câmera, imagens que trouxeram um sorriso a mim, a Aziz ou a alguém da equipe que está atrás da câmera, e que, nos melhores casos, farão o mesmo com o filme pronto.

Uma analogia com essa sensação, e que provavelmente está longe de ser a melhor, seria com o videogame. Aquele momento em que você está jogando, muito próximo da morte ou do game over, mas aí aparece um continue e você volta para o jogo, feliz da vida.

Quando estava chegando em casa, já sozinho e perto de 1h da manhã, ainda pensei num “acabou, porra”, mas logo percebi que não fazia sentido e que a montagem nem tinha começado ainda. De qualquer forma, levaremos alguns continues para ela.